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domingo, 29 de novembro de 2015

Do Mercado Fechado à Invasão China - Texto por Gabriel de Aquino



(Visão econômica com ênfase nos músicos Brasileiros)



               
                Não faz muito tempo, o mercado brasileiro era totalmente fechado. A importação seja do que fosse, inexistia naquela época. Estamos falando das décadas anteriores aos anos 2000.

                Nos anos 80 e 90, não se tinha a variedade de equipamentos e instrumentos de qualidade que temos hoje. A internet não existia. Os filmes levavam de 2 a 4 anos para estrearem no Brasil, depois de sua estreia nos Estados Unidos. Se você quisesse comprar um bom instrumento, teria de ir ao exterior, ou ter um amigo que trouxesse pra você. Isso se você  soubesse que existia Fender, Gibson, Ibanez, etc. Pois, aqui não se tinha nem a informação sobre a existência destes equipamentos. Se alguém quisesse aprender  um instrumento teria que frequentar aulas de música tradicionais, que custavam caro. Um instrumento musical também custava muito caro. Isso explica o porquê o violão se tornou tão popular no Brasil. Apesar de ser considerado um instrumento barato, o violão da época não era pra qualquer um comprar. Os violões eram produzidos, mesmo em indústrias grandes como a Giannini, quase que artesanalmente. Isso encarecia muito o preço destes. Guitarras e baixos eram sonhos distantes. Bateristas eram raridades. A bateria disponível na época, era a famigerada Pinguim, que era de péssima qualidade. E teclados então? Estes eram inexistentes. Naquela época, não conheci nenhum tecladista pessoalmente. 

                Pra se ter uma idéia, no início dos anos 90, você tinha como opções de mercado as guitarras, Giannini (top de linha) e as guitarras Tonantes. Violões, tínhamos os Di Giorgio (Top de Linha), os Giannini (segmento intermediário) e por fim, o Rei dos Violões Tonante (Linha de baixo custo). Haviam outras marcas, mas sem muita expressão no mercado. Do meio para o fim dos anos 90 surgem outras marcas que abordaremos depois. 

              As guitarras Giannini custavam muito caro, então a solução era optar pelas Tonantes que eram terríveis. Quem tocou numa Tonante sabe do que eu estou falando. As Tonantes tinham aparência de uma Fender da década de 40. A captação era praticamente um microfone embutido (se você falasse próximo aos captadores, sua voz saia na caixa amplificada) – imaginem a quantidade de microfonia de um instrumento desses. O braço da Tonante era um tronco mal esculpido, sem tensor e normalmente torto parecendo um arco e flecha. E o custo desta “maravilha” era o equivalente a um salário mínimo da época. Imagine você pagar 800 reais hoje, num “pau com cordas”? Mas, era o que tinha na época. Após você tocar em uma guitarra Tonante, tocar em qualquer guitarra Giannini, era como tocar numa Fender. Era um outro mundo. Porém custavam o triplo, o que tornava inviável a compra para o lazer.

                Por uma questão de preço, os violões se tornaram populares no Brasil e as bandas de rock demoraram 20 anos pra se tornarem populares. Não é a toa que as bandas de rock nos anos 80, nasciam em Brasília. Justamente por naquele local se concentrar o dinheiro do país inteiro (isso não mudou até hoje). Naquele ambiente  os adolescentes tinham acesso a pessoas estrangeiras, trazendo seus LP’s e K7’s  de outros países, como Estados Unidos e Inglaterra. Também tinham dinheiro pra comprar um violão Giannini Top da época, ou um violão Di Giorgio (violão referência no Brasil da época). Estes ainda, conseguiam ter amigos que viajavam para o exterior e lhes traziam instrumentos Fender, Gibson, etc., (vide Herbert Vianna), que a maioria dos músicos  brasileiros  nem sonhavam que existia. Isso explica porque tão raro era o lançamento de uma banda no Brasil. Isso também mantinha os músicos reféns das gravadoras. Mas, isso já é outro papo. 

                Para os mortais como eu, ter um violão Giannini já era um feito incrível. Poder aprender música era algo incomum. Quem é da época, vai lembrar que o método mais comum, era o método de cifragem. Você comprava uma revistinha (livrinho da música) nas bancas, (muitas vezes você comprava uma revista por causa de uma única música) onde tinha as letras das músicas com as cifras das notas musicais. Em geral, tínhamos que ouvir a música que queríamos tocar, muitas e muitas vezes e ter a revista apenas como base, pois normalmente as cifras não estavam na sílaba certa. Ainda tínhamos que adaptar o rítimo, pois não tinha nenhuma especificação acerca de cadência musical. Quem sabia tocar Led Zeppelin, Pink Floyd, e bandas do gênero, era considerado um MESTRE. O normal  era tocar Legião, Paralamas, Biquíni Cavadão, Titãs, etc.. Eu fugia um pouco a regra, pois era aficcionado por Beatles e cheguei a tirar mais de 50 músicas do grupo naquela época. Em geral, a música estrangeira não tinha muito mercado no Brasil. Esse fato se dava por causa dos resquícios do Regime Militar, que usava o subterfúgio de fomentar o mercado nacional, para controlar a mídia. Para este controle, foi feito uma lei onde a mídia de rádio e televisão eram obrigados a lançarem e/ou exibirem produtos nacionais (Produtos estes que teriam que passar pelo crivo da censura). Note que o atual governo quer fazer este controle e está usando este mesmo subterfúgio para controlar a internet e televisão fechada. Não permita a volta da censura.

                Fora o problema com a aquisição de instrumentos, ainda tínhamos o grande problema de conseguir equipamentos, como caixas amplificadas e pedais de efeito. 

                Assim como os instrumentos, os equipamentos também eram poucos, sem qualidade e muito caros. Se você conseguisse comprar uma boa guitarra, dificilmente conseguiria comprar um bom cubo pra ela. Quanto aos efeitos e distorções, poucos músicos tinham conhecimento que eles existiam. Eu me lembro que em 1992 – 1993 um pedal de distorção overdrive da Oliver, custava mais de meio  salário mínimo da época. Não amigos, não estou falando de multiefeito, nem pedal signature da Boss, estou falando dos pedais analógicos Oliver, mesmo. Imagine você, adquirir um set de pedais? Era um sonho muito distante. Pode-se dizer que você poderia comprar um carro popular, caso decidisse ter um equipamento de guitarra completo, com uma guitarra Gibson, cubo Marshall e set de pedais Boss. Com certeza um semi-novo, era possível comprar com estes valores. 


            Por falar em carros da época, o motivo pelo qual as tecnologias em geral evoluíram e a velocidade com que isso acontece sofre apenas um delay curto nos dias de hoje, em relação ao que é lançado no resto do mundo, se dá por conta da abertura de mercado  promovida por Fernando Collor de Mello, o então presidente do Brasil. Sei que muitos dirão que se deve ao FHC, ou ao Lula, mas a verdade é só uma. O Collor foi quem abriu o mercado para os produtos estrangeiros. Porém, não foi um ato pensado. Na verdade foi um ato inconsequente. Cansado de ver a indústria automobilística brasileira fabricar carros pobres de tecnologia, Collor, que tinha acesso aos carros alemães, americanos e italianos, queria que a indústria nacional produzisse veículos naqueles moldes. Assim, no intuito de poder (ele) comprar veículos importados, pois detestava os carros nacionais, abriu o mercado nacional para importados. Em consequência, veio a falência, em todas as áreas, de muitas empresas brasileiras. Pois, com a abertura de mercado da noite pro dia, as empresas teriam de enfrentar uma concorrência desleal. Lado bom para o consumidor, mas crítico para a indústria nacional. 

               Mas, foi este ato inconsequente que fez a vida do consumidor brasileiro mais fácil e com acesso às novas tecnologias. Porém, acabou com o mercado interno. 

                Mas, o que importa pra nós neste momento, é o que veio com a abertura de mercado com relação à música. 

                No meio da década de 90, começam a surgir importadoras e com isso, o acesso a novas tecnologias e novas marcas ganham o cenário da música brasileira. Marcas que estão até hoje no mercado e outras que já desapareceram. Neste cenário, as guitarras Dolphin e Yamaha passam a ser o sonho de consumo e as guitarras Golden de produção nacional (com suas replicas de Les Paul e Ibanez) tomam o mercado da época. Nos efeitos e distorções, a Boss vem com tudo, mas perde espaço pra japonesa Zoom, que na briga, ganha o mercado de entrada com a pedaleira de Zoom 505 e suas variações para baixos e violões. Embora ser unânime a preferência dos músicos pela Boss da época, no fim das contas a diferença de preço falava mais alto na hora da aquisição. E a Zoom 505 era bem mais em conta. 

                No final dos anos 90 até a metade de 2000, linhas coreanas, mexicanas, americanas, japonesas de alta qualidade, encontram espaço no mercado, pelo fato da estabilidade do dólar,  tornando-se competitivas e atraindo um público com um poder aquisitivo maior, e com as linhas de crédito, tornou-se um sonho possível. Não era mais necessário ser rico pra ter uma bela Gibson.

                Final da década de 2000, entrada de 2010 (nesta nova década), a invasão chinesa acontece, desbancando muitos produtos nacionais. Neste universo chinês, o custo-benefício fala mais alto. Os instrumentos chineses dependem muito da percepção de quem adquiri o produto. Depende do conhecimento do comprador. Mas, comparando com instrumentos que tínhamos nos anos 80 e 90, a maioria é superior. Sei que vai ter saudosista dizendo que o que escrevo é uma blasfêmia. Mas, se você comparar os piores produtos chineses que eu conheço (Memphis e Madrid), com o pior produto  brasileiro daquela época (Tonante), o produto chinês é infinitamente superior. Se pegarmos o melhor violão, fabricado em série, na indústria brasileira da época, Di Giorgio, e compará-lo com o top chinês atual Takamine (china), ou Fender (china), lamento informar,  mas os chinas são superiores. 

                Com este cenário mostrado neste texto, as indústrias de instrumentos musicais brasileiras, tornaram-se meros importadores. Quase nada é produzido no Brasil devido a alta carga tributária, baixos salários do consumidor final, aos direitos trabalhistas e ao alto custo de produção, tornando o preço inacessível ao consumidor final. Como era lá nos anos 80, com a diferença que não se tinha a opção de equipamentos estrangeiros. Portanto, simplesmente a cultura ficava estagnada, nas mãos dos ricos e filhos de ricos. 
                      
                 A alta do dólar em 2015, trouxe enormes prejuízos à música. Pois, com salários estagnados e poder de compra cada vez menor, o consumidor brasileiro está cortando o supérfluo. Infelizmente o investimento em música, é considerado pelo brasileiro, algo supérfluo.

                Mesmo os instrumentos chineses, estão encontrando uma dificuldade muito grande no mercado atual. Instrumentos de excelente qualidade, tais como:  Fender americana, Gibson americano, Takamine Japonês, Ibanez japonês, etc, já não encontram mais nenhum espaço neste cenário atual. Imagine você, que uma guitarra Ibanez, há 4 anos custava  4 Mil dólares. Ela hoje custa os mesmos 4 Mil dólares de preço final ao consumidor. Mas, a cotação do dólar há  4 anos era 2 reais. Portanto, você pagaria 8 mil reais. E isso já é um preço muito alto. Agora imagine os mesmos 4 mil dólares taxados a 4 reais, hein? 16 mil reais! Com as linhas de crédito com juros astronômicos, não dá nem pra sonhar com isso. Claro! Isso são valores hipotéticos. Mas, a linha de raciocínio é essa.

                Para se ter um instrumento, ou equipamento de qualidade e de marca consagrada nos dias de hoje, assim como nos anos 80, você terá que ter muito dinheiro, ou algum amigo que viaje para o exterior e  traga o instrumento pra você. 

                A invasão china veio pra ficar. As fábricas nacionais se tornaram meros importadores. A "indústria" brasileira é só de “fachada”, não há na prática, quase nada de produção. As poucas empresas que ainda produzem, importam cerca de 90% dos instrumentos da China e os vendem para o grande público. Fabricando realmente apenas 10% do que é vendido. E esta fabricação é feita para um público segmentado e que tem dinheiro pra pagar por um instrumento caro. Mas, este tipo de empresas são poucas. Talvez a Giannini e a Di Giorgio estejam produzindo alguma coisa nacional ainda. A Di Giorgio vem lutando para conseguir se manter no mercado produzindo violões nacionais. A  Giannini produz muito pouco e importa a maior parte de seus produtos. As outras marcas, tornaram-se apenas importadoras. A Tagima (hoje nas mãos da Memphis), Eagle e outras marcas brasileiras, somente importam. Talvez a Seizi tenha alguma coisa de produção nacional, mas também importa muito de seus produtos. 

                Enquanto o dólar estiver nas alturas, o cenário musical tende a desacelerar em qualidade e produção. Então, fica dica: Procure comprar instrumentos e equipamentos de qualidade de 2ª mão em bom estado. O preço tende a ser metade do novo e a qualidade é a mesma. E se você tiver um bom instrumento, este não é o momento de se desfazer dele.  






                Este é o resumo do cenário econômico brasileiro, nos últimos 30 anos,  com ênfase no músico brasileiro.